,...

EN    —    PT
PT

Mark

DE CRESCER

2023



Projeto de performance transdisciplinar desenvolvido e apresentado no contexto do projeto DES/ORIENTE (Porto, Portugal).

Curadoria: Laís França e Rachel Merlino
www.desoriente.net




"Do som da água da fonte às badaladas de sinos inertes, a cada passo, Inês conduz por uma paisagem que atravessa passado, presente e futuro sob o seu olhar. Um imaginário que traduz suas memórias de infância, enquanto propõe o resgate de um local que permaneceu visualmente cristalizado enquanto experimentou seu esvaziamento. Essa atmosfera captura uma reflexão coletiva sobre as vivências e locais de afeto de cada espectador-caminhante, questionando como cada um de nós “contribui para a construção afetiva de um lugar, e, em contrapartida, como os lugares moldam a nossa própria essência”. A ativação ocorre por meio de um percurso-performance baseado em um audioguia que culmina em uma dança que manifesta as múltiplas camadas de um espaço em transformação."

Texto: Laís França e Rachel Merlino

         
Foucault definia a heterotopia como uma manifestação e materialização de lugares imaginários na sociedade. Estes lugares desenvolvem-se sobre espaços isolados que permitem a construção de imaginários, valores éticos/morais e comportamentos alternativos que existem simultaneamente dentro e fora do espaço social.

O Fontanário da Presa de Contumil é um local que permanece fisicamente imutável, mas cuja identidade afetiva e narrativa está em constante mutação, alternando entre um lugar de convívio, conflito, passagem, ou resistência. Através dos anos, entre presenças e ausências, este lugar transformou-se em diferentes heterotopias definidas por quem o frequentava.

Rodeado de terrenos agrícolas, nos meus tempos de infância, a Presa de Contumil era um espaço social onde crianças brincavam e adultos lavavam a roupa. Com a sua deterioração e a urbanização dos terrenos adjacentes, o espírito de lazer e convivência que lhe era característico foi-se perdendo. Com o envelhecimento da vizinhança, o Fontanário deixou de ser tão ativamente frequentado. Durante os anos que lhe seguiram, foi estigmatizado como um lugar de perigo, “o spot onde param os gunas da Areosa”. Anos depois, com as obras do metro e a expansão da cidade, a área em redor foi-se tornando exponencialmente mais habitada, mas o quarteirão do Fontanário foi-se deteriorando e desertificando. Ligando em linha reta a zona mais populada à paragem do metro, este lugar converteu-se num lugar de passagem, num espaço liminal, num quase-não-lugar, para todos exceto os que ainda aí habitam.  

A partir de um ponto de vista pessoal e íntimo, desenvolvi uma performance multimédia que comunica a história do Fontanário da Presa de Contumil. Conduzido por um audio-guia que conta o imaginário dos lugares de infância que comparti com o meu avô, o público é levado desde o meu infantário até ao Fontanário da Presa de Contumil. No Fontanário, realizei uma performance na qual através de uma reinterpretação da dança tradicional portuguesa “Vira”, fiz voar testemunhos sobre a Presa de Contumil, partilhados pelas suas vizinhas mais antigas sobre o processo de envelhecimento desse lugar: 

“As guardiãs da presa são agora as mais antigas”
“Querem partir janelas porque não pertencem a ninguém” 
“Ainda há quem lave aqui a roupa, olha a água ensaboada que flutua entre o lodo”
“Eram duas minas, agora só há uma... terá sido o alcatrão a tapar a mina ausente?”
“Dantes eram os jovens que limpavam a rua... mas não deviamos ser nós a faze-lo”
“A presa era um lugar de convívio, agora é um lugar de passagem”
“Eram os lavradores que limpavam o tanque, mas agora já só há um”
“Quem colhe os campos não mora cá, muitos passam, poucos ficam”


Após a performance, o público é convidado a deixar também os seus testemunhos — reais ou imaginados — sobre o Fontanário da Presa de Contumil.

Abrindo espaço para a criação e partilha de um imaginário coletivo, o objetivo deste projeto foi, a partir das minhas memórias afetivas, re-significar o Fontanário da Presa de Contumil em prol da construção de uma heterotopia comum que pertence a quem aí vive tanto quanto a quem por lá passa.






















Um grande obrigada a todas as que me ajudaram neste projeto (direta ou indiretamente):





Avô Quim
Avó Lina
Mãe


Joana
Francelina
Maria Josefina

Mark